Em Boa Viagem é fácil ouvir relatos e histórias de quem conheceu alguma das 14 vítimas daquela cidade que morreram no acidente em Canindé
Parentes e amigos dos mortos no sinistro ocorrido costumam ir ao local onde o ônibus tombou e prestam homenagens junto a 18 mudas plantadas no espaço à margem da BR-020 em honra às vítimas da tragédia
Domingo, 18 de maio de 2014. 8h25. BR-020, km 303, Canindé, a 120 quilômetros de Fortaleza. Um motorista de ônibus da Viação Princesa dos Inhamuns, com 39 passageiros a bordo, perdeu o controle do veículo em uma curva. O transporte tombou e deslizou na rodovia por alguns metros.
Pedaços de corpos ficaram pelo caminho, em um rastro de sangue que, para quem viu, é impossível esquecer. Cenas dignas de guerra, expostas à luz do dia, ladeadas pelo desespero de quem presenciou o fato. 16 pessoas morreram ali e tiveram seus corpos empilhados. Outras duas vítimas faleceram no hospital.
Hoje, um ano após a tragédia, as famílias ainda sofrem ao relembrar daquele 18 de maio. As lágrimas caem dos olhos para lavar a dor da alma. O choro, contudo, não quer dizer desistir de viver. Os familiares dos que partiram no sinistro formaram uma associação, e lutam para obter o mínimo. “Quero da empresa apenas que concedam um lugar para acender uma vela para meu filho”, relatou uma mãe.
Conforme a associação, apenas uma família recebeu o seguro pago pela empresa. “Dinheiro não trará ninguém de volta. Queremos apenas respeito da empresa. Queremos cuidado com o nosso sistema de transporte rodoviário. Queremos justiça”, disse um empresário cuja mãe estava entre as vítimas do acidente.
TÃO PERTO DE CASA
O vento bate na janela. No quarto, uma fresta de luz ilumina o rosto de Francisca Nascimento da Silva, que perdeu o filho, Francisco Adriano Nascimento da Silva, 31. O cômodo está arrumado, como se ali alguém tivesse dormido à noite e saído para trabalhar pela manhã.
Francisca mora em Canindé. Adriano voltava do trabalho. “Ele disse que nos veríamos domingo, 15h. E foi por volta desse horário que vi o corpo do meu filho morto”, afirma.
A voz da mulher reverbera no silêncio que ficou na vida dela, sem o filho caçula. “Foi tão perto de casa, já estava tão perto de casa. Por quê, meu Deus?”, lamenta, aos prantos.
Francisca aceita fazer uma visita ao local do acidente. Lá, 18 plantas foram regadas, representando as vítimas. O espaço, à margem da BR, virou ponto de reverência para as famílias. “A cruz, eu fiz com as minhas próprias mãos. Meu marido é quem vem cuidar das plantas. O local aqui só não está abandonado por isso”.
Adriano foi a única vítima que morava em Canindé. Outras duas pessoas eram de Madalena, cidade vizinha, e uma era de Fortaleza. As demais, eram de Boa Viagem.
Como o casal Francisco Reginaldo da Glória, 44, e Sirleuda Gomes Freire da Glória, de 48. A mãe de Reginaldo, Francisca Anchieta da Glória, mora em uma casa defronte à que pertencia ao filho. A porta aberta lhe permite ver o movimento da rua. “Foi a pior coisa da minha vida. Ele saiu 6h30, tomou a bênção, disse que à noite estaria em casa. A sensação é que ele saiu e vai já voltar”, revela.
Algumas ruas dali, morava Patrícia da Silva Oliveira, de 24 anos. Ela também perdeu a vida no acidente em Canindé. A mãe, Aparecida Oliveira Carneiro, chora ao lembrar da ‘Pati’. “Me apego a minha outra filha, que precisa de mim para seguir em frente”, revela.
Levi de Freitas
Repórter Diário do Nordeste